Pesquisa: Eraldo Leite
Recife, dezembro de 2025.
Comentários (Ipsis litteris):
Bartolomeu Noronha
Penuel Pereira Ramos
David Vasconcelos e Baltazar de Carvalho
A música pernambucana tem no "Frevo" o seu suporte.
Sem uma grande lonjura de tempo — teve seu nascimento no início deste século XX — o Frevo,
mergulhado no mundo grandioso da música popular brasileira, faz lembrar o rio São Francisco que,
"genuíno", é de fato o grande representante da nossa hidrografia. Assim é o Frevo — também genuíno —
sem parceria híbrida. É a pureza na nossa música brasileira.
Na sua trajetória, o Frevo alcança nos anos 50 a sua cumeeira. Majestosa é a sua obra nesses anos; majestosos, os seus obreiros. Na efervescência desses anos, dois mestres — David Vasconcelos e Baltazar de Carvalho — emergem.
Purista do Frevo, cônscio do seu labor musical, David Vasconcelos não deixa espaço à aflição junto aos foliões e carnavalescos que acompanham a sua música. Seus frevos-de-rua tecnicamente disciplinados, de impecável harmonia e de um estilo personalíssimo dão-lhe uma dimensão especial na arte da composição frevística. Colossal!
A sensibilidade faz de Baltazar de Carvalho um ardoroso companheiro. Compositor festejadíssimo, assume, no seu estilo fluente e cristalino, sua afinidade com ela, daí seus frevos-de-rua dotados de elegantes e singelas melodias. Não há cabala que debilite o seu valor.
Este disco é o 2º volume da SÉRIE DOCUMENTO, produzido pelo Centro da Música Carnavalesca de Pernambuco (CEMCAPE), entidade ideal que tem como objetivo a preservação da música do carnaval de Pernambuco.
A combinação de esforços entre nossa entidade e o Serviço Público é o resultado deste evento. O Serviço Público está representado pela Fundação de Cultura Cidade do Recife e pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (FUNDARPE).
Os frevos-de-rua dos compositores David Vasconcelos e Baltazar de Carvalho foram gravados, originalmente, em discos de 78 rpm, com exceção de Agüenta Coração e Homenagem. Aqui reunidos, não sofreram alterações em seus arranjos.
Na procura do bom propósito em oferecer qualidade aos apreciadores do Frevo pernambucano e, também, à posteridade, reunimos a orquestra CEMCAPE que magnificamente coroou este nosso trabalho.
Agradecemos, sinceramente, ao maestro Antônio Albuquerque e aos músicos da orquestra CEMCAPE pela decisiva participação e compreensão demonstrada aos nossos propósitos.
Comentário:
Bartolomeu Noronha - 1º Secretário do CEMCAPE
David de Aguiar Vasconcelos, conhecido nas lides musicais como David Vasconcelos, nasceu no município de Bom Jardim, PE, no dia 23 de julho de 1915; é o segundo filho do casal João Crescêncio de Vasconcelos e Josefa de Aguiar Vasconcelos.
A sua atração pela música começou quando tinha 10 anos de idade, cujo fascínio por esta arte o levou a uma superlativa vontade de aprendê-la, embora não contasse com a plena satisfação de seus pais, que temiam que a empolgação do garoto pudesse prejudicar os seus estudos.
Dirigido pela vocação dos próprios impulsos, aprende a solfejar as lições que o seu pai ministrava a um grupo de rapazes da localidade, aproveitando as ocasiões das aulas, postado por trás das portas para acompanhar o que ali era ensinado.
Transferindo-se para o Recife para continuar os seus estudos visando à Faculdade, sempre assistia aos ensaios de uma Banda de Música do Exército, a convite de um dos seus componentes.
Com o passar dos tempos, escreveu a sua primeira obra musical, a valsa UMA ESPERANÇA, RAZÃO DA MINHA VIDA, que enviou a seu pai, que após a haver corrigido, devolveu-a, com a sua aprovação.
Após esta composição, passou a criar em outros gêneros.
Daí então partiu para o estudo de harmonia, buscou adquirir o material necessário para isto tal como
livros, métodos, todos de renomados autores, nas casas do ramo, tanto as locais como as do Sul do
País.
Atendendo ao pedido de um amigo que fazia parte da Banda da Polícia Militar de Pernambuco, compôs o seu primeiro frevo, que foi executado por ocasião da comemoração de aniversário da sua noiva. A orquestra, composta de músicos da aludida corporação, fora levada à residência da noiva, com brilhante apresentação, tendo servido de teste para David, que, a partir de então, continuou a escrever outros frevos.
Num programa radiofônico, na Rádio Clube de Pernambuco, executando bandolim, em uma noite memorável, encontrou o "Mestre Vivo", como era conhecido o inesquecível Levino Ferreira e ficou freqüentando a sua residência e vice-versa. O relacionamento fora assaz proveitoso, adquirindo experiência em instrumentação, tendo assimilado muita coisa que o ajudou sobremaneira.
A sua primeira gravação comercial ocorreu na Todamérica, em 1950, com o frevo "Fechou-se o Tempo". Posteriormente, gravou na RCA Victor, Odeon, Continental, CBS e outras.
Na RCA Victor gravou outros gêneros musicais, inclusive a canção "Sonhando ao Mar", que foi interpretada pelo saudoso Augusto Calheiros, tendo alcançado grande sucesso, sendo divulgada em vários países sul-americanos.
David Vasconcelos é casado com a senhora Dona Ivanilda Valença de Aguiar Vasconcelos, e tem 5 filhos: Franklin, Jemerson, Ednes, Vânia e David Jr. David de Aguiar Vasconcelos confessa-se apaixonado pela arte que imortalizou Carlos Gomes, Villa Lobos e tantos outros: A MÚSICA!
Comentário:
Penuel Pereira Ramos
Baltazar Paulo de Carvalho, filho de Francisco de Paula Carvalho e de Olegária Olímpia de Carvalho, nasceu na cidade do Recife, PE, no dia 6 de julho de 1910.
Aos doze anos de idade, iniciou os seus estudos musicais com o maestro Raul Morais que ministrou durante dois anos, aulas de piano, tendo adquirido prática e continuado os seus estudos autodidaticamente.
Como era possuidor de acurada compreensão e boa intuição, a falta dos estudos acadêmicos não prejudicou o seu desenvolvimento, chegando a aperfeiçoar-se em solos e acompanhamentos de diversos gêneros musicais.
Algum tempo depois, iniciou a sua carreira de compositor, produzindo sambas, valsas e frevos, ritmo que exerceu em Baltazar de Carvalho um fascínio diferente.
Na sua vasta peregrinação pela trajetória musical e pelos caminhos de compositor, iremos encontrar dezenas de frevos, que pela sua beleza natural, convém lembrarmos alguns: sem nos atermos à sua cronologia, veremos o "Déo no Frevo" e "Colombina", que ele afirma serem os dois primeiros; "Quem é Você?", interpretado por Expedito Baracho, "Hoje é Carnaval", interpretado por Getúlio Cavalcanti, "Clarins da Madrugada", executado por Zaccarias e sua Orquestra, "Reconciliação", executado pela Orquestra da Base Aérea do Recife e inúmeros outros.
Como regente, animou muitas caravanas em clubes, conviveu com renomadas figuras das lides musicais como Toscano Filho, Manoel Gadelha, Nelson Vaz, Luís Caetano, Antônio Albuquerque, José Menezes, etc.
Apresentou-se em várias cidades de Pernambuco, como Vitória de Santo Antão, Belo Jardim, Surubim e
outras.
Os Frevos de Baltazar de Carvalho, na sua totalidade considerados antológicos, foram gravados no
Recife e Sul do País.
O pouco caso gerado pelo desinteresse da divulgação do genuíno ritmo pernambucano, o Frevo, faz com que, não só o maestro Baltazar de Carvalho, como tantos outros compositores, se afastassem do meio musical, como que decepcionados, ofuscados pelas brumas do esquecimento.
O Centro da Música Carnavalesca de Pernambuco (CEMCAPE), comandado pelo radialista Hugo Martins, secretariado por uma plêiade de abnegados colaboradores, vem, paulatinamente, usando o próprio material construído por esses mesmos compositores, tentando recuperar a memória da música dos carnavais passados, restaurando o valor daqueles compositores que foram o sustentáculo da animação de tantos carnavais, incentivando-os à continuação da difícil tarefa de compor.
Comentário:
Penuel Pereira Ramos
1-FECHOU-SE O TEMPO
Composição: David Vasconcelos
Composto em 1950, atendendo a um pedido do tenente João Cícero, que como regente, no ano de 1951 levou a orquestra do Clube Vassourinhas, com 120 figurantes, para o Rio de Janeiro, tendo em várias apresentações executado este frevo, com estupendo sucesso. Gravado originalmente por Biu e sua Orquestra, em selo Todamérica, no dia 12.09.50 sob o nº TA-5019-A, em 78 rpm. Esta foi a primeira obra do compositor levada ao disco, sendo, também, o primeiro frevo gravado por esta fábrica, em 78 rpm.
2-ADEUS ALEGORIA
Música: David Vasconcelos
O título é uma evocação aos saudosos carros alegóricos que muitos clubes exibiam em desfile pelas ruas da cidade do Recife, durante os dias de carnaval. Desaparecidos com o decorrer do tempo, pelo brilhantismo das suas apresentações e como recordação, nada mais justo do que esta homenagem. Gravado em 1951, pela RCA Victor, executado por Zaccarias e Sua Orquestra.
3-O FREVO É ASSIM
Composição: David Vasconcelos
Na época em que foi escrito, já surgiam compositores com ideias inovadoras, introduzindo acordes dissonantes, quebra de ritmo, e até alterações no seu andamento. Apesar de apologista das novas tendências, "eu entendia que o Frevo deveria manter-se conforme a sua origem, visto tratar-se de uma música regional e que carecia de uma maior afirmação no conceito da música popular brasileira. Por esta razão, o escrevi obedecendo rigorosamente aos padrões tradicionais. E, por parecer-me consentâneo com a tese defendida, coloquei o título "O Frevo é Assim". Gravado em 1954 pela RCA Victor, executado por Zaccarias e Sua Orquestra."
4-DESACATANDO
Composição: David Vasconcelos
"Frevo em 3 partes, onde a Tuba aparece com destaque, sem, entretanto, ferir as regras fundamentais da harmonia. O título colocado retrata um desafio que me foi lançado, segundo o qual eu teria de escrever um Frevo, tendo como tema um chorinho composto para violão, por sinal muitíssimo bem feito. Aceito o desafio, preparei a introdução e, na parte seguinte, desenvolvi o tema do chorinho. Satisfeito com a idéia, parti para uma terceira parte, em sintonia com as duas anteriores. Concluída a tarefa, estava cumprido o desafio, que sugeriu o título 'Desacatando'. Gravado pela RCA Victor no ano de 1956. Executado por Zaccarias e Sua Orquestra."
5-AGÜENTA CORAÇÃO
Composição: David Vasconcelos
"Frevo inédito, composto em 23.10.91, cujo título foi inspirado como sendo um recado ao coração, para suportar o descarrego causado pela emoção. Afastado há mais de vinte anos do cenário musical, este Frevo marcou o meu retorno, atendendo aos convites e incentivos dos ilustres diretores do CEMCAPE (Centro da Música Carnavalesca de Pernambuco), e, especialmente, pelo ânimo transmitido pelo programa 'O Tema é Frevo', da Rádio Universitária, FM, produzido e apresentado pelo insigne radialista Hugo Martins."
6-HOMENAGEM
Composição: David Vasconcelos
"Frevo inédito, composto em dezembro de 1991. Assistindo aos ensaios dos Frevos destinados à gravação deste LP 'Frevos de Rua, Documento, vol. 2', e achando-me empolgado com a categoria e dedicação do maestro Antônio Albuquerque e com o entusiasmo dos músicos componentes da orquestra, impelido pelo sentimento da gratidão, resolvi escrever este Frevo, como homenagem ao talento e à virtuosidade dos mesmos. A sua inclusão neste LP foi uma exigência dos homenageados, prontamente atendida pela equipe de produção."
1-DÉO NO FREVO
Composição: Baltazar de Carvalho
Frevo gravado originalmente pela Orquestra Tabajara, do maestro Severino Araújo, pela Continental, no dia 05.10.49, em 78 rpm, disco nº 15.970-A. Uma homenagem ao cantor Déo (Ferjala Riskala), conhecido na época como "O ditador de sucesso".
2-CLARINS DA MADRUGADA
Composição: Baltazar de Carvalho
Este Frevo foi primeiramente gravado em 01.08.51 pela RCA Victor, em 78 rpm, disco nº 80-0833-A, com a Orquestra de Zaccarias, sendo posteriormente, em 1982, regravado com a Banda da Polícia Militar de Pernambuco, sob a batuta do então maestro Severino Martins, e incluído no LP 90.015, da série "O Tema é Frevo", vol 2. "Encontrava-me com a minha orquestra no Clube Sargento Wolf, no último dia de carnaval. Era madrugada, a orquestra já se preparava para se despedir, quando me veio a inspiração de compor 'Clarins da Madrugada'".
3-SERÁ O TAL?
Composição: Baltazar de Carvalho
Gravado na etiqueta "Star", no ano de 1949, com a orquestra do Copacabana Palace, disco nº 77-B. O título alude ao comportamento de um colega que, numa de suas obras, havia plagiado a segunda parte de uma criação deste autor, que, sem pretender emitir qualquer crítica, apenas compôs "Será o Tal?".
4-PARA ONDE VAIS?
Composição: Baltazar de Carvalho
Em 10.10.52 este Frevo era levado à cera pela Odeon, disco nº 13.365-B, com a orquestra de Raul de Barros. O título alude à expressão latina "Quo Vadis", que deu nome a um famoso filme épico, que à época fora recorde de bilheteria.
5-MANCHETE
Composição: Baltazar de Carvalho
O Frevo Manchete foi gravado pela orquestra de Portinho, na etiqueta "Chantecler" no ano de 1967. O seu título foi inspirado pelos cabeçalhos das grandes reportagens jornalísticas da época, que apareciam em letras garrafais nos periódicos da cidade.
6-NÃO AVANCE O SINAL, MAESTRO
Composição: Baltazar de Carvalho
Foi, pela primeira vez, gravado pela etiqueta Todamérica, em 78 rpm, em 12.09.50, com Biu e sua Orquestra. Este Biu é o maestro Severino Araújo. Note que este é um dos raros frevos que essa orquestra gravou. Fora composto com o mesmo propósito do Frevo "Será o Tal?"
Comentário:
Bartolomeu Noronha - 1º Secretário do CEMCAPE
Fonte: Acervo Fonográfico do Museu do Frevo Levino Ferreira
Ficha Técnica
Produção: Centro da Música Carnavalesca de Pernambuco -
Cemcape
Produção executiva: Hugo Martins
Direção musical: Maestro Antônio J. Albuquerque
Orquestra: CEMCAPE
Assistente de Direção Bartolomeu A. Noronha, Francisco Nunes R.
Filho e José Batista Alves
Técnico de gravação: Zé da Flauta
Pesquisas: Bartolomeu A. Noronha, José Batista Alves e Penuel
Ramos
Seleção Musical: Museu do Frevo Levino Ferreira
Layout: Bartolomeu A. Noronha e José Batista Alves
Estúdio de gravação: Center TV Radiofoto LTDA
Arte Final: No Micro Computador MACINTOSH IIfx - Roberto
Magalhães
Montagem: Olga Ferraz
Gráfica: CIA. Editora Pernambuco
Foto: Luiz G. de Castro
Realização: Museu do Frevo Levino Ferreira.
ESTE É O PRIMEIRO LP DE FREVOS-DE-RUA PRODUZIDO PELO PROCESSO DIGITAL
Uma homenagem aos compositores David Vasconcelos e Baltazar de Carvalho.
Orquestra CEMCAPE
*Regente: Antônio J. Albuquerque
Componentes da Orquestra
Sax: 1° alto: Gilberto Pontes
Sax: 2° tenor: Raminho
Sax: 3° alto: Zé da Gaita
Sax: 4° tenor: Ramos
Sax: 5° barítono: Calixto
Pistões: 1°: Roque, 2°: Colorau, 3°: Cabelo, 4°: Alexandre
Trombones: 1°: Barros, 2°: Adão, 3°: Maia, 4°: Edvandro
Baixo e Tuba: Deca
Caixa Clara: Melo
Caixa Surda: Diógenes de Souza
Cymbalo: Paulinho
Pandeiro: Sol, Assessor: Agnaldo Silva
DISCO É CULTURA - (P) 1992
